O Vaticano esteve a investigar um investimento de 200 milhões de dólares (180 milhões de euros) considerado pouco transparente, que envolveu o empresário angolano António Mosquito, o sinistro o cardeal Giovanni Angelo Becciu (bem conhecido em Angola) e, claro, a Falcon Oil, informou hoje o jornal Financial Times.
A Secretaria de Estado do Vaticano recorreu a consultores externos, em 2012, para realizar um empréstimo de 200 milhões de dólares, com fundos que tinha em contas bancárias suíças, à Falcon Oil, uma empresa petrolífera angolana, controlada pelo conhecido empresário de António Mosquito, também com negócios em Portugal.
Porém, depois de ter decidido não conceder o empréstimo à Falcon Oil, a Secretaria do Vaticano decidiu investir a verba, juntamente com um fundo italiano com sede em Londres, na compra de uma participação minoritária num imóvel que aquela entidade financeira já tinha no exclusivo bairro londrino de Chelsea.
O negócio imobiliário de Londres foi o objecto da investigação judicial da Santa Sé, no decurso da qual a polícia do Vaticano apreendeu documentos e computadores dos escritórios da Secretaria de Estado.
O Vaticano recusou-se a comentar o conteúdo da investigação, limitando-se a informar que foram investigadas transacções financeiras passadas.
O empresário angolano António Mosquito, que foi accionista de referência da Global Média, proprietária entre outros títulos do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e da rádio TSF, e possuiu a maioria do capital da construtora Soares da Costa, aproximou-se directamente do Vaticano para propor um investimento de 200 milhões de dólares, disse uma autoridade sénior da Santa Sé.
António Mosquito conhecia o cardeal Giovanni Angelo Becciu, desde que este fora embaixador do Vaticano em Angola, entre 2001 e 2009.
A Falcon Oil e o empresário António Mosquito não responderam ao pedido do Financial Times de um comentário sobre esta investigação, escreve o jornal.
Até 2018, o cardeal Giovanni Angelo Becciu era o segundo mais alto funcionário da Secretaria de Estado do Vaticano, reportando directamente a Bento XVI e, mais tarde, ao papa Francisco.
A realização do investimento imobiliário de Londres foi autorizada por aquele cardeal, disseram fontes directamente envolvidas na operação.
“António Mosquito entrou em contacto com a Secretaria de Estado, como qualquer outra pessoa poderia facilmente ter feito”, disse Alberto Perlasca, ex-alto funcionário do gabinete da Administração da Secretaria do Vaticano e actual presidente da Transparência Internacional.
“O facto de nada ter sido feito mostra que a Secretaria de Estado foi escrupulosa no exame do investimento, além de qualquer consideração de pessoa ou de amizade”, acrescentou.
Alberto Perlasca não respondeu directamente a perguntas sobre por que um empréstimo de 200 milhões de dólares para uma plataforma petrolífera angolana foi considerado um possível investimento adequado.
Em 2012, a Falcon Oil detinha uma participação de 5% num bloco de exploração offshore angolana 15/06, cujos maiores accionistas eram e ainda são a petrolífera italiana Eni e a sua congénere estatal angolana Sonangol.
A Falcon Oil estava a tentar um empréstimo de 200 milhões de dólares com o objectivo de financiar a sua contribuição para a construção de uma plataforma offshore que estava para arrancar naquele bloco.
O cardeal Alberto Becciu recusou-se a responder direvtamente às perguntas do Financial Times. Por seu lado, o WRM, um fundo de investimento de Raffaele Mincione que detinha a maioria do edifício londrino, admitiu que fez a análise do investimento em Angola.
“O Credit Suisse, em nome da Santa Sé, solicitou ao WRM que realizasse a devida diligência sobre o projecto de petróleo com o objectivo de investir 200 milhões de dólares”, afirmou, acrescentando: “A nossa análise foi extensa e levou-nos a recomendar ao Credit Suisse e à Santa Sé que não realizasse esse investimento”.
O Credit Suisse, banco que também está a ser investigado por suspeitas de envolvimento de alguns dos seus responsáveis no processo designado de dívidas ocultas em Moçambique, também se recusou a fazer comentários sobre a investigação do Vaticano. O Credit Suisse actuava como banco privado da Secretaria de Estado do Vaticano e assessorava os seus investimentos.
O WRM adiantou ainda que não teve conhecimento directo da investigação do Vaticano sobre o investimento da Secretaria na sua propriedade em Londres e disse estar confiante de que não cometeu nenhum erro.
Folha 8 com Lusa